sábado, 8 de julho de 2017

Crise econômica afeta metas do Plano Nacional de Saneamento Básico. Entrevista especial com Alceu Galvão.


Patricia Fachin – IHU On-Line
“A crise hídrica de 2014 na região Sudeste demonstrou que o problema do abastecimento de água tende, cada vez mais, a ficar mais crônico, e os estudos de planos de bacias apresentam uma realidade em que esse déficit tende a aumentar”, diz Alceu Galvão à IHU On-Line ao comentar o estudo Rede Brasil do Pacto Global da ONU, que aponta os desperdícios de água no processo de distribuição na bacia hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, em São Paulo.
Os problemas relacionados à perda de água na distribuição não se restringem a São Paulo. Somente no Brasil, as perdas chegam a quase 37%. Entre os custos desse processo, Galvão menciona o financeiro e o ambiental. “O primeiro é o próprio custo da despesa de exploração, porque na medida em que o prestador é obrigado a produzir mais água, estamos falando de maior consumo em energia elétrica. Hoje o insumo de energia é uma das principais despesas que acaba impactando a tarifa do usuário. Há, portanto, um custo financeiro que, tanto para o prestador quanto para o usuário, poderia ser utilizado para investir no próprio setor. 

O outro custo é o ambiental, que nem sempre é mensurado, mas o recurso hídrico é escasso, precisa ser preservado para as próximas gerações. A própria crise hídrica demonstrou que houve migração de indústrias de uso intensivo de água para outras regiões e isso gera um impacto econômico uma vez que não há disponibilidade dos recursos hídricos”, explica.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Alceu Galvão também comenta o Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab e a proposta de reduzir as perdas do sistema de distribuição em 31% até 2033. “A nossa preocupação é que apesar de as premissas do Plansab estarem adequadas, os cenários que foram traçados naufragaram em função dacrise econômica. Se trabalhava com um plano nacional de saneamento com um horizonte de baixa inflação e crescimento do PIB. O plano foi aprovado em 2013, mas em seguida, em 2014 e 2015, tivemos um cenário de alta da inflação e baixo crescimento do PIB. Isso impactou de tal forma que em 2033, provavelmente à luz da falta de investimentos e do cenário econômico, não poderemos atingir tais indicadores”, lamenta.
Alceu Galvão é engenheiro civil e doutor em saúde pública. Atualmente é pesquisador do Instituto Trata Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Segundo estudo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, 182 bilhões de litros de água foram perdidos em 2015, seja por vazamentos, fraudes, roubos ou problemas de mediação, em 74 municípios banhados pelas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, e no Brasil o desperdício foi de 36,7%. Por que esse tipo de desperdício ocorre e qual é o significado desses números?
Alceu Galvão – O estudo teve como objeto uma das bacias mais críticas em termos de disponibilidade de recursos hídricos, que é a bacia do PCJ, a qual inclui as bacias dos rios PiracicabaCapivari e Jundiaí. Essa bacia tem uma importância econômica extrema não só para o estado de São Paulo, mas ela representa algo em torno de 7% do PIB.
A crise hídrica de 2014 na região Sudeste demonstrou que o problema do abastecimento de água tende, cada vez mais, a ficar mais crônico, e os estudos de planos de bacias apresentam uma realidade em que esse déficit tende a aumentar. O estudo teve como foco, portanto, captar e ver o cruzamento entre os recursos hídricos e o saneamento, que são dois setores afins: o saneamento básico é um usuário dos recursos hídricos, seja do ponto de vista da captação da água, seja do ponto de vista do lançamento do esgoto nos recursos hídricos, porém são setores que não conversam entre si. Embora o setor dos recursos hídricos planeje as perdas, essas perdas não são pactuadas com quem opera, presta ou titula o serviço de saneamento básico. O objeto do estudo, então, foi avaliar os impactos das perdas nessa bacia diante de um cenário de criticidade.
Para isso, nós fizemos um levantamento de base de dados em termos de plano de bacias e de planos de saneamento básico, metas estabelecidas tanto para recursos hídricos quanto para saneamento básico. Fizemos também um apanhado nas agências reguladoras, que regulam os contratos de prestação de serviços, nos quais há metas para as perdas de abastecimento de água e, nesse sentido, foi analisado o papel das agências reguladoras. Foi observada também a ação histórica dos rios desde 2007, ano em que foi estabelecida a Lei 11.445, que trata das diretrizes de saneamento básico. E, em paralelo, para complementar todo esse conjunto de dados dos diversos setores, com diversas abrangências e focos, os atores do setor também foram ouvidos, como os comitês de bacias, os prestadores de serviços, as agências reguladoras e as indústrias que obviamente também têm interesse na questão hídrica do PCJ.
Ainda em relação à bacia do PCJ, há um conjunto de oportunidades para redução de perdas físicas, que estão relacionadas a controles de pressão, vazamento de redes, furto de água. Há um conjunto de municípios que perdem água num percentual maior que o da média nacional, que é de quase 37%. Portanto se faz necessário que esses municípios façam um esforço – o qual não pode ser feito de modo individual, porque a bacia tem que ser pensada como um todo – para que se tracem metas exequíveis e melhorias para a questão das perdas.
Fizemos uma análise acerca do que os planos de bacia e de saneamento informam sobre as perdas e observamos que não há uma uniformidade nessa discussão, seja do ponto de vista conceitual, na definição dos indicadores, seja do ponto de vista das metas que estão especificadas para as perdas. Seria importante ter uma padronização desses conceitos para que os diversos planos possam convergir em relação às metas.
Também há necessidade de que esses instrumentos de planejamentos previstos nos marcos regulatórios sejam de fato acompanhados. Hoje os principais instrumentos de saneamento básico são vinculantes aos contratos de prestação de serviços, e nesses planos há uma obrigatoriedade de que se tenha metas de perdas, portanto é desejável que se tenha um melhor acompanhamento por parte das agências reguladoras.
Observamos que vários municípios e bacias possuem consumo per capita médio acima da média do estado, que é em torno de 59 litros por habitante/dia. Também observamos a necessidade de que haja um paralelo de informações e discussões com a população acerca do uso racional da água. Outro aspecto que foi observado é a necessidade de que os atores setoriais se conversem, porque nas áreas de saneamento e recursos hídricos há um conjunto de atores de âmbito local, regional e federal, sistemas de informações e planos de bacias e entidades de âmbito federal, ou seja, temos um conjunto de instrumentos que precisam ser compatibilizados.
Outro aspecto do estudo é a discussão e o diálogo que houve com os atores setoriais. Além da pesquisa bibliográfica e documental e da análise dos instrumentos e planos, os atores foram entrevistados, sendo identificado o nível de atuação desses atores e a percepção que eles têm e como estão atuando em relação às perdas. 
Outro ponto que questionamos no estudo é se a sociedade compreende ou não essa situação das perdas de água na distribuição, porque houve um aprendizado grande durante a crise hídrica de 2014, mas o programa de conscientização da população é um tema que tem que ser permanente, como tem que ser permanente a atuação dos atores, porque é preciso combater continuamente as perdas de água na distribuição. Temos que estar atentos a todo momento, porque o nível de perdas aumentará se não houver uma gestão eficaz.
IHU On-Line – Hoje a média de desperdício na distribuição de água é de quase 37% em todo o país. Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab, a meta de redução média nacional de perdas nos sistemas de distribuição é de 31% para 2033. Que percentual de desperdício seria aceitável na distribuição de água? Essa média é adequada?
Alceu Galvão – O Plansab é um instrumento importantíssimo para o saneamento básico. É um plano que traz diretrizes nacionais, conceitos inovadores, que fala não só de investimentos em obras, tais como estações de tratamento de água e esgoto, mas fala também de gestão.
A nossa preocupação é que apesar de as premissas do Plansab estarem adequadas, os cenários que foram traçados naufragaram em função da crise econômica. Se trabalhava com um plano nacional de saneamento com um horizonte de baixa inflação e crescimento do PIB. O plano foi aprovado em 2013, mas em seguida, em 2014 e 2015, tivemos um cenário de alta da inflação e baixo crescimento do PIB. Isso impactou de tal forma que em 2033, provavelmente à luz da falta de investimentos e do cenário econômico, não poderemos atingir tais indicadores.
Se olharmos para a realidade da região Sudeste, que é crítica do ponto de vista de abastecimento de água, 33% de desperdício ainda pode ser considerado um número elevado. Há projeções dentro dos planos analisados que mencionam metas de 25% a longo prazo. Então, a nossa preocupação é que as metas traçadas talvez não possam ser atingidas em função da grave crise econômica e do refluxo dos investimentos no setor como um todo.
IHU On-Line – Esse percentual de 25% de perdas de água na distribuição é aceitável ou ainda é considerado alto?
Alceu Galvão – O cenário de perda de 25% foi projetado dentro de um dos planos de bacia. Esse foi um dos cenários projetados na bacia do PCJ tendo em vista o ano de 2035. Obviamente não seria um cenário feliz, mas um cenário desejável dentro de um horizonte de longo prazo. Mesmo que esse dado seja levantado, ainda assim há um déficit hídrico de 8,5 metros cúbicos. O certo é que todos os prestadores precisam se adequar e se planejar, porque essa é uma ação contínua e permanente.
IHU On-Line – Qual é o custo desse desperdício de água na distribuição e de que modo ele impacta na gestão dos recursos hídricos?
Alceu Galvão – Dois custos podem ser identificados. O primeiro é o próprio custo da despesa de exploração, porque na medida em que o prestador é obrigado a produzir mais água, estamos falando de maior consumo em energia elétrica. Hoje o insumo de energia é uma das principais despesas que acaba impactando a tarifa do usuário. Há, portanto, um custo financeiro que, tanto para o prestador quanto para o usuário, poderia ser utilizado para investir no próprio setor. 
O outro custo é o ambiental, que nem sempre é mensurado, mas o recurso hídrico é escasso, precisa ser preservado para as próximas gerações. A própria crise hídrica demonstrou que houve migração de indústrias de uso intensivo de água para outras regiões e isso gera um impacto econômico uma vez que não há disponibilidade dos recursos hídricos.
IHU On-Line – Em 2014 se discutiu a possibilidade de transposição do rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira por conta da crise hídrica em São Paulo. Se o problema da perda de água no sistema de distribuição fosse solucionado, ele poderia resolver os problemas da crise hídrica e evitar uma obra de transposição?
Alceu Galvão – A gestão adequada dos recursos hídricos deve atingir um conjunto de áreas, como, obviamente, a prestação de serviços na redução de perdas, tem que atingir o consumidor para que ele faça um uso mais consciente da água, tem que atingir a irrigação para que sejam utilizados métodos mais eficientes, tem que atingir a indústria para que ela alcance um nível máximo de produção com a menor utilização de água. Obviamente deverão ser realizadas ações que em algum momento considerem a transposição por conta do crescimento da população e do crescimento econômico. Não há somente uma solução do ponto de vista da problemática dos recursos hídricos. É preciso atender a demanda e a oferta.
Outro aspecto que é fundamental nessa discussão é o tratamento de esgoto, porque muitos municípios ainda lançam de maneira in natura seus efluentes. Isso significa menos oferta de água de qualidade para que essa água possa ser recirculada, tratada e distribuída à população. Dentro de um planejamento macro, todas essas ações têm que ser pensadas e planejadas, por isso é fundamental um envolvimento de todos os atores.
IHU On-Line – Que tipo de ações podem ser feitas, no curto e no longo prazo, para evitar ou diminuir essas perdas hídricas nos sistemas de distribuição?
Alceu Galvão – A primeira questão sugerida é a compatibilidade do planejamento dos municípios. O planejamento setorial deve ser revisto a cada quatro anos e muitos municípios estão num processo de revisão dos seus planos de saneamento. Nesse sentido, uma das propostas que sugerimos é a necessidade de convergência dos indicadores. Precisamos que os diversos planos “falem a mesma linguagem” para que, quando formos tratar das perdas, se saiba do que estamos falando.
Há um papel relevante a ser desempenhado pelas partes reguladoras setoriais. Nessa mesma linha de planejamento, foi apontada a necessidade de compatibilidade dos planos de bacia, os quais apresentam indicadores de perdas, porém esses indicadores divergem daqueles propostos pelos indicadores do saneamento básico. Por isso é importante que haja uma convergência na coordenação desses planos.
Esse estudo buscou olhar para o saneamento básico e os recursos hídricos e trouxe uma visão geral dessa questão. Agora compete aos atores a necessidade dessa articulação. É importante destacar ainda que esse não é um problema de Piracicaba, Santa Bárbara ou de outros municípios da região, mas um problema da bacia do CPJ. Agora as entidades devem estabelecer quais são os mecanismos de convergência.
IHU On-Line – Quais são as dificuldades de implementar as sugestões dos estudos?
Alceu Galvão – As dificuldades são sempre as mesmas; uma delas está sempre na rotina do dia a dia e diz respeito ao investimento, que é escasso, principalmente por parte do governo federal, em parte por conta da crise econômica. Mas a questão é que só o investimento também não resolve o problema; é necessário gestão e investimento em equipes qualificadas, as quais poderão controlar as perdas na distribuição.
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sábado, 3 de junho de 2017

Audiência pública evidencia relação entre desmatamento do Cerrado e crise hídrica em centros urbanos.


Evento realizado na Câmara dos Deputados em Brasília pede aprovação de lei que transforma Cerrado e Caatinga em patrimônios nacionais.
Por Emmanuel Ponte e Juliana Câmara, na CPT
Na manhã desta quinta-feira (01/06), aconteceu audiência pública destinada a “Debater os desdobramentos da PEC 504/2010, que reconhece os biomas, Caatinga e Cerrado como Patrimônio Nacional, nas políticas públicas de desenvolvimento urbano e moradia popular”, no âmbito da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados. 
Solicitada pelo deputado Luiz Couto (PT-PB) ao presidente da Comissão Givaldo Vieira (PT-ES), a audiência tratou das consequências da devastação do Cerrado e da Caatinga nos centros urbanos do país. Ao fim do evento, Vieira se comprometeu a encaminhar indicação para que o plenário da Câmara vote a Proposta de Emenda Constitucional.
“Estamos passando por crises hídricas nos grandes centros urbanos e o Cerrado é considerado a caixa d’água do Brasil”, justificou ele, que também é presidente da Comissão Especial da Crise Hídrica. A PEC 504/2010, do ex-senador Demóstenes Torres (DEM/GO), altera o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, para incluir o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional. Só em 2017, a proposta foi colocada em pauta 13 vezes, porém não foi apreciada. 
Atualmente, segundo a Constituição, são patrimônios nacionais a Amazônia, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal e a Zona Costeira. “Eles não querem colocar a PEC em votação porque vai prejudicar o agronegócio”, justificou Padre Couto em sua fala de abertura. 
O avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado já resultou no desmatamento de mais de 50% do Cerrado e de 46% da Caatinga. A aprovação da PEC reforçaria a importância de preservar a vegetação restante e facilitaria a criação de novas políticas de proteção dos biomas.
Resultado dos esforços de articulação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, a audiência foi acompanhada por um plenário repleto de representantes de populações tradicionais dos dois biomas, como indígenas e quilombolas. Além dos deputados, compuseram a mesa dona Maria do Socorro, do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB); Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT); Maria de Fátima Barros, da Articulação Nacional de Quilombos (ANQ); e Gerardo Cerdas, da ActionAid no Brasil, todos integrantes da campanha.
“Se substituirmos a vegetação nativa do Cerrado pela soja, sofreremos consequências graves”, aponta Isolete. Isso porque o Cerrado é uma floresta invertida, com árvores pequenas, porém com raízes grandes, que ajudam a água a penetrar nos lençóis freáticos e aquíferos. “Preservar sua vegetação restante é fundamental para que a gente tenha água”, alertou. Para reforçar, Isolete trouxe o exemplo da recente crise hídrica: “Vivemos, nos últimos três anos, problemas de falta de água nos centros urbanos. Na verdade, São Paulo, Espírito Santo, Distrito Federal e Rio de Janeiro ainda estão passando por isso. E quem consome mais água é a agricultura por meio dos pivôs de irrigação. Apenas 10% da água são para uso humano. Então, a grande questão hídrica está no campo”.
Maria do Socorro e Maria de Fátima compartilharam um pouco de suas experiências como quebradeira de coco e quilombola no estado do Tocantins. A representante do MIQCB destacou os impactos do modelo adotado pela agricultura de extensão para o meio ambiente e as populações rurais: “As grandes empresas do agronegócio destroem o que estamos preservando. Eles fazem queimadas e, quando não é fogo, é derrubada; quando não é derrubada, é envenenamento. O veneno mata a floresta e os seres vivos. Temos hoje muitas mortes por câncer, por causa do veneno na água, no ar e nos alimentos”, disse ela, que também fez um apelo pela aprovação da Lei do Babaçu Livre, estratégia em nível federal de regulamentação e proteção da atividade das quebradeiras de coco babaçu que somam, em todo o país, mais de 300 mil mulheres.
Conheça a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado:  www. sem cerrado.org.br.
“Minha família reside no território desde 1888. Depois de mais de cem anos, a gente continua vivendo da agricultura familiar, da caça e da pesca”, contou Maria de Fátima. A quilombola alertou sobre a importância dos povos tradicionais para a preservação do meio ambiente frente os avanços de projetos de infraestrutura e agropecuária. “Mas até quando? Até que as hidrelétricas se imponham sobre nosso território? Até que a monocultura se estenda sobre o Bico do Papagaio, como a gente já está vendo? Nós somos os guardiões dos biomas”. Ela reforçou ainda as consequências da expulsão das populações do campo. “Quando nossos meios de vida no campo são destruídos, nossas crianças vão para as periferias das grandes cidades e são submetidas a todos os tipos de violência. Ter a PEC aprovada é uma forma de continuar existindo e resistindo.”
Para Gerardo Cerdas, da ActionAid, manter o ritmo desenfreado de desmatamento do Cerrado e da Caatinga significa sacrificar o bem comum das populações rural e urbana em prol dos interesses de pequenos grupos: “Vários estudos apontam que o desmatamento do Cerrado vai, num prazo muito curto, por volta de 30 anos, diminuir os aquíferos e lençóis freáticos, o que pode acabar com rios. Isso quer dizer que muitos de nós assistiremos ao aprofundamento da crise atual. O cenário não é alentador. Há interesses que vão para além do particular. Estamos pagando as consequências das atividades de muito poucos”.
Nas considerações finais feitas pela plateia, Paulo Fiuza, da Fundação Mais Cerrado, foi bastante aplaudido ao chamar atenção para o “apartheid ambiental” que representa o fato de o Cerrado ser um dos poucos biomas que não são patrimônio nacional: “Cerrado é água, é vida, é produção, é alimento. Não é uma causa local, mas o coração do Brasil. Sem ele, o país para. A PEC é o primeiro passo na correção de um absurdo, do verdadeiro apartheid ambiental. Por que alguns biomas são protegidos e outros não, se todos eles estão ligados?”
Em mais uma passo para pressionar os parlamentares pela aprovação da PEC 504/2010, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado lança, na próxima segunda-feira, 5, uma petição online para que toda a sociedade possa se engajar na causa.
Imagem: Área do Cerrado recém-desmatada. Foto: Rhett A. Butler/Mongabay.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Consulta Pública sobre a Reserva Extrativista do Itapetininga tem ampla participação popular em Bequimão.

 
Foto - Consulta Pública sobre a Reserva Extrativista do Itapetininga em Bequimão/MA.
Foi realizada, na última terça-feira (25), uma Consulta Pública sobre a proposta de criação da Reserva Extrativista do Itapetininga (Resex do Itapetininga), em Bequimão. A Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo, e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) coordenaram os trabalhos, com ampla participação popular.

Para que a população conhecesse melhor a proposta, houve um debate acerca do uso sustentável dos recursos naturais na reserva, que vai abranger 14 comunidades extrativistas.

Foto - Consulta Pública sobre a Reserva Extrativista do Itapetininga em Bequimão/MA.
Segundo a representante do Instituto Chico Mendes, Karina Soares, a administração municipal tem demonstrado grande interesse em constituir a Resex do Itapetininga. “Houve um pedido do município, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, juntamente com a Colônia e o Sindicato de Pesca, solicitando a criação de uma reserva extrativista, que é uma categoria de unidade de conservação, voltada para a melhoria da qualidade de vida da população e para uso sustentável de recursos da área. O Itapetininga foi escolhido através de oficinas, pela importância que ele tem para os extrativistas que estão à margem do rio”, destacou Karina Soares.

Foto - Consulta Pública sobre a Reserva Extrativista do Itapetininga em Bequimão/MA.
O prefeito de Bequimão, Zé Martins, comentou o impacto positivo dessa reserva para as pessoas que tiram seu sustento da natureza. “A criação dessa unidade de conservação vai beneficiar várias comunidades quilombolas que estão localizadas nessa área. Isso ajuda muito mais o movimento, que tem um olhar significativo da nossa gestão. Essa unidade também abrange outros povoados, que são as comunidades pesqueiras, facilitando ainda mais as políticas públicas que estamos buscando para oferecer aos moradores dessas comunidades. A Resex do Itapetininga ainda vai nos ajudar a desenvolver Bequimão na área do turismo ecológico”, enfatizou Zé Martins.

Foto - Consulta Pública sobre a Reserva Extrativista do Itapetininga em Bequimão/MA.

A criação da Resex assegura direitos aos trabalhadores rurais, como adimpli a representante da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Coordenadora Nacional do Centro Nacional de Populações Tradicionais, Gabriele Soeiro. “É a garantia do território, a conservação da biodiversidade e a conservação do ecossistema manguezal. Essa unidade criada deve preservar o meio ambiente e criar empoderamento das populações tradicionais que habitam nesse território”, explicou.

Das nove reservas extrativistas em criação no Maranhão, quatro ficam nas regiões da Baixada e Litoral Ocidental Maranhense: Mirinzal, Carutapera, Cururupu e Bequimão.

“É importante a criação da reserva extrativista, que vai manter os recursos naturais que irão beneficiar as comunidades. E isso é importante, principalmente nesse cenário que vivemos de muita degradação ao meio ambiente e muitos países com crise hídrica. É uma proteção que vai propiciar a duração desses recursos ao longo tempo, para as futuras gerações” , disse o representante do Ministério do Meio Ambiente, Luís Fernando Loureiro.

Participaram do evento secretários municipais, estudantes professores e diretores da rede pública, representantes do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Sindicato dos Pescadores Artesanais e Colônia de Pescadores, além de vereadores, autoridades municipais, estaduais e federais, representantes do ICMBio, Sismubeq, Sindicato dos Agentes Saúde, Associações Quilombolas, MOQBEQ, representantes da Paróquia de Santo Antônio, representantes do IFMA de Pinheiro, Presidente do Conselho Municipal de Educação, Conselho Comunitário do Paricatiua, representantes do Assentamento Padre Paulo, Alberto Cantanhede (Comissão Nacional de Reservas Marinhas), lideranças comunitárias  e comunidade em geral.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

MPF/MA: União, Ibama e ICMBio deverão promover ações para combater pesca de arrasto nos Lençóis Maranhenses.



De acordo com a Justiça Federal, as instituições foram omissas ao não adotarem medidas eficazes de fiscalização da atividade pesqueira na região.
Em resposta à ação movida pelo Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA), a Justiça Federal reconheceu a responsabilidade da União, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) por omissão no combate à pesca de arrasto (com rede) no litoral maranhense, principalmente na área do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. As instituições não estavam adotando medidas eficazes de fiscalização da atividade pesqueira na região.
De acordo com as denúncias que embasaram a ação civil pública proposta pelo MPF/MA, a pesca ilegal de arrasto tem sido comumente desenvolvida por pescadores artesanais no parque, em especial na região da Ponta do Mangue e Canto do Atins, no município de Barreirinhas (MA). Esse tipo de pesca causa sérios impactos ambientais na região, como destruição de habitat do fundo oceânico; captura de espécies não-alvo, como estrelas-do-mar, ouriços, tubarões e tartarugas; prejuízo à biodiversidade marinha, além de impactos sociais negativos aos pescadores do litoral.
Segundo consta na sentença proferida pelo juiz federal da 8ª Vara, “a injustificada e inaceitável omissão da Administração Pública representa perigo – real – ao direito fundamental ao meio ambiente sadio, pois é da inércia dos demandados que decorre a continuidade da pesca de arrasto”.
Por conta disso, a Justiça Federal condenou a União, Ibama e ICMBio a promoverem, no prazo de um ano, a implantação efetiva de estruturas ou equipamentos capazes de impedir ou reduzir a pesca de arrasto, precedidos dos estudos necessários para a instalação de artifícios anti-redes em pontos estratégicos no fundo do oceano, conforme planejamento administrativo. Além disso, deverão, em até um ano, disponibilizar agentes de fiscalização e equipamentos (inclusive embarcações) apropriados ao escritório do ICMBio no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, a fim de manter a fiscalização contínua nas águas da região, e promover as atividades de planejamento necessárias à fiscalização da pesca com rede no litoral maranhense, especialmente na região do Parque.
O número para consulta processual na Justiça Federal é 0047730-09.2014.4.01.3700.
Assessoria de Comunicação - Procuradoria da República no Maranhão
Tel: (98) 3213-7100 - E-mail: prma-ascom@mpf.mp.br - Twitter:@MPF_MA.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

TRF1 suspende licença de instalação da mineradora canadense Belo Sun, no Xingu.

TRF1 suspende licença de instalação da mineradora canadense Belo Sun, no Xingu
Moradores da Volta Grande do Xingu protestam
contra  a mineradora durante audiência pública.
Decisão atende pedido do MPF e considera que a concessão da licença, pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará, descumpriu ordem judicial por não avaliar impactos sobre indígenas.
O Tribunal Regional Federal da 1a Região suspendeu a Licença de Instalação concedida pelo governo do Pará à mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation, que projetou a instalação da maior mina de ouro do Brasil na mesma região afetada pela usina hidrelétrica de Belo Monte, na chamada Volta Grande do Xingu, entre Altamira e Senador José Porfírio. Até hoje, a empresa não apresentou estudos válidos do impacto do projeto sobre os povos indígenas da região. 
Para o desembargador federal Jirair Meguerian, a concessão de licença para a mineradora se instalar, sem os estudos do componente indígena, desobedece decisão judicial anterior do próprio TRF1, que permitiu a continuidade dos licenciamentos, com a expressa orientação de que fosse analisado o impacto sobre os indígenas. As etnias Arara e Juruna serão afetadas pela mineração, mas a empresa apresentou à Fundação Nacional do Índio um estudo considerado inapto, por não conter nenhum dado coletado dentro das áreas indígenas e por não ter sido realizada consulta prévia aos índios. Em vez de recusar a licença, a Semas deu um prazo de 3 anos para que a empresa faça “tratativas” dos estudos. 
Para o desembargador, a “emissão de licença de instalação ao empreendimento Projeto Volta Grande de Mineração contemplando condicionante com prazo de 1095 dias para tratativas, conduções e execuções junto à Funai no que tange ao Estudo de Componente Indígena é evidente descumprimento de decisão judicial, não podendo ser tolerada pelo Poder Judiciário”. “Desse modo, e considerando que a própria Funai que possui atribuição para tanto, afirmou que o estudo apresentado pela Belo Sun Mineração é inapto, conclui-se que a licença de instalação não poderia ter sido emitida pela Semas/PA, sendo flagrante o descumprimento da decisão judicial”, concluiu.
Essa é a segunda decisão judicial que suspende a licença de instalação da Belo Sun. O projeto está bloqueado também pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por causa de irregularidades fundiárias cometidas na aquisição de terras para a instalação. O projeto de mineração canadense responde a cinco processos na justiça, movidos pelo MPF, pela Defensoria Pública do Pará e pela Defensoria Pública da União, por diversas irregularidades.  
O projeto Volta Grande de mineração é anunciado pelos empreendedores como o maior do Brasil. O plano é instalar a mina em Senador José Porfírio, a aproximadamente 10 km de distância da barragem de Belo Monte. A empresa Belo Sun, do grupo canadense Forbes&Manhattan, divulgou aos investidores que extrairá, em 12 anos, 60 toneladas de ouro.
Entenda o caso - A Funai emitiu, em dezembro de 2012, um Termo de Referência (com as questões a serem respondidas pelos Estudos) para que a Belo Sun fizesse as pesquisas necessárias sobre os impactos aos indígenas que residem na área da Volta Grande do Xingu. Os indígenas que vivem nesse trecho de 100 km do rio Xingu vão sofrer o mais grave e definitivo impacto provocado pela hidrelétrica de Belo Monte, que é a redução da quantidade de água no rio em 80% a 90%.
O impacto é tão severo que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao conceder a licença para a usina, estabeleceu um período de seis anos de testes para saber se a Volta Grande e as populações terão capacidade de sobreviver à construção da barragem e à seca permanente. Em recente audiência pública promovida pelo MPF em Altamira, ficou clara a situação de incerteza em relação ao futuro da região. O MPF cobra a apresentação de um plano de vida para os moradores, mas a Norte Energia S.A, responsável pelas obras de Belo Monte e pelos impactos, sequer enviou representante para a audiência pública, se recusando ao diálogo com os atingidos.

Processo nº 0060383-85.2014.4.01.0000
Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação - (91) 3299-0148 / 3299-0177 / 98403-9943 / 98402-2708 - prpa-ascom @ mpf.mp.br - http://www.mpf.mp.br/pa - http://twitter.com/MPF_PA.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Crianças e adolescentes farão Seminário em Educação Ambiental.



Um seminário completamente diferente. Nada de grandes conferencistas ou a palestra do nome do ambientalismo do momento. No seminário “Ação Jeniparana...estamos te ouvindo”, os protagonistas serão as crianças e adolescentes da iniciativa Protetores Ambientais em Ação, um projeto que faz parte do Comitê Infanto Juvenil da Bacia Hidrográfica do Rio Jeniparana. As estrelas deste evento irão debater sobre meio ambiente e recursos hídricos, como gente grande, na próxima sexta-feira, dia 24, às 14h, no auditório Fernando Falcão da Assembleia Legislativa do Maranhão.

O Seminário é um momento ímpar e de reta final do Protetores Ambientais em Ação. O Protetores é uma iniciativa que ampliou o Comitê Infanto Juvenil do Rio Jeniparana, permitindo agregar crianças a partir dos 5 anos de idade, e tem o apoio do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

Para este evento, os membros do Comitê foram buscar na língua Tupi-Guarani a palavra “Açã”, que quer dizer grito/gritar, para fazer um alerta para realização de efetivas ações para salvar o Jeniparana. E para isso na programação do evento, as crianças e adolescentes irão comandar mesas redondas para dialogar sobre os recursos hídricos com deputados estaduais, vereadores, secretários de meio ambiente, empresários, gestores e outros.

Ainda durante o seminário, além das mesas redondas, haverá apresentação cultural, exposição de objetos e materiais confeccionados pelas crianças da iniciativa, e homenagens às pessoas que se destacaram na luta pelo meio ambiente.

Toda a dinâmica do seminário será realizada pelas crianças e adolescentes, para que possam ser certificados pela iniciativa Protetores Ambientais em Ação. O seminário é como o trabalho de conclusão de curso. A coordenação dos trabalhos é do Comitê Infanto Juvenil da Bacia Hidrográfica do Rio Jeniparana.

Trajetória - O Comitê surgiu em 2011, com apoio do Fonasc.CBH e de 8 escolas comunitárias. É um projeto de educação ambiental, cuja iniciativa visa engajar a juventude no andamento das políticas públicas no Maranhão, em especial, na preservação e conservação dos seus recursos hídricos. O Comitê é o primeiro projeto nesta faixa etária (11 a 15 anos) instituída no Brasil, é pioneiro no Maranhão e foi inspirado no modelo criado no município de Maracanaú no Ceará. A experiência do CIJBHRJ foi premiada nacionalmente, em 2015, como a melhor prática em educação para gestão de recursos hídricos, durante o 13º Encontro Interbacias, em São Pedro-SP.

De lá para cá muita coisa aconteceu. Em 2016, o Comitê avançou em suas ações e deu início à iniciativa Protetores Ambientais em Ação, com o apoio do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), através do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Esse projeto terá duração de 1 ano e vai atender a 180 crianças de forma direta e mais de 2 mil de forma indireta. Esta iniciativa, que surge a partir do Comitê, permitiu agregar crianças mais novas na faixa etária de 5 a 11 anos, para que se tornem agentes multiplicadores dos conceitos de sustentabilidade e meio ambiente.

Boa tarde!

Encaminho a você o convite do Seminário "Açã Jeniparana...estamos te ouvindo", que será realizado no próximo dia 24 de março, às 14h, no auditório Fernando Falcão da Assembleia Legislativa. O evento é uma ação das crianças de nosso projeto em educação ambiental.

Segue o release para divulgação, na qual conto com vosso apoio e também a cobertura para o dia do evento.

Cordialmente
Suyane Scanssette - Ascom Fonasc.CBH
(98) 99135-2197 (whatsapp)
(98) 3303-6557 (escritório Fonasc.CBH)

quarta-feira, 22 de março de 2017

Brasil carece de legislação para reúso de água, diz coordenador da ANA.

água desperdício
No Dia Mundial da Água, a Unesco destaca a importância das águas residuais, aquelas já utilizadas em atividades humanas e que podem ser reaproveitadasDivulgação/Cesan























Andreia Verdélio – Repórter da Agência Brasil.
No Dia Mundial da Água, lembrado hoje (22), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) destaca a importância das águas residuais, aquelas já utilizadas em atividades humanas e que podem ser reaproveitadas.
Diante de uma demanda crescente por recursos hídricos e da necessidade de buscar fontes alternativas, é necessário modificar a gestão dessas águas, “passar de um modelo de 'tratamento e eliminação' para um modelo de 'redução, reutilização, reciclagem e recuperação dos recursos'”, diz a Unesco no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2017, lançado hoje.
No Brasil, entretanto, as águas residuais não são aproveitadas como deveriam pois não há legislação específica sobre o tema.
O coordenador de Implementação de Projetos Indutores da Agência Nacional de Águas (ANA), Devanir Garcia dos Santos, destaca a importância do reúso, mas diz que a prática não é trivial e expõe as pessoas a riscos se não forem seguidas determinadas normas.
Para ele, a cobrança pelo uso da água mostra o real valor do recurso e induz as pessoas a refletirem sobre a melhor maneira de utilizá-lo. Ele acredita que esse é um dos caminhos para que as pessoas se interessem pelo reúso.
Na avaliação do especialista, o Brasil precisa de legislações que priorizem a segurança do meio ambiente e dos usuários, tanto no quesito manuseio como no consumo.
“Qualquer planta de reúso requer um licenciamento ambiental e esses licenciamentos são muito difíceis de serem conseguidos porque não temos clareza sobre limites e sobre parâmetros da qualidade que essa água, que vai ser feita reúso, deve ter para aplicação”, disse, explicando que há literatura mundial e resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, mas não há uma norma que deixe claro os critérios para o licenciamento.
Segundo Santos, existem discussões em andamento sobre o tema no Congresso Nacional e  a ANA trabalha, em parceria com o Ministério das Cidades, para a edição de um projeto de lei que atenda esse setor.
Novas regras
A Unesco também afirma que são necessárias novas regras sobre o reúso da água e a recuperação de subprodutos das águas residuais.
“Com frequência, existe pouca ou nenhuma legislação sobre os padrões de qualidade para esses produtos, o que cria incertezas de mercado que podem desencorajar os investimentos. Mercados para esses produtos podem ser estimulados por incentivos financeiros ou legais – tais como a mistura obrigatória de fosfatos recuperados em fertilizantes artificiais”, diz.
O coordenador da ANA conta que a Europa e os Estados Unidos têm legislações bastante rígidas e praticam o reúso naturalmente. Mas muitas iniciativas de reúso costumam surgir a partir da necessidade. Ele cita como exemplos a Namíbia que transforma esgoto em água para abastecimento das cidades, e Israel, que dessaliniza água do mar para consumo e, depois, reutiliza na irrigação; 70% da água é reutilizada em cerca de 19 mil hectares.
Segundo a Unesco, os benefícios sociais, para a saúde pública e o meio ambiente, decorrentes da gestão dos esgotos, são consideráveis. Para cada dólar gasto em saneamento, estima-se um retorno para a sociedade de US$ 5,50.
Reúso na agricultura
Apesar de algumas iniciativas da indústria, o reúso praticamente inexiste no Brasil de forma disciplinada e organizada.
“Não temos essa tradição do reúso porque o Brasil tem essa teoria da abundância [12% da água doce do mundo está no Brasil]. E agora estamos notando que, apesar de termos muita água, a distribuição não é uniforme e temos regiões extremamente carentes em água. Isso está provocando uma discussão mais forte em relação a reúso”, disse.
As águas residuais geridas com segurança são uma fonte acessível e sustentável de água e nutrientes para a agricultura de irrigação, que é responsável por 70% da água consumida no mundo.
“Estamos passando a maior seca do semiárido dos últimos anos. O gado está morrendo sem água e sem alimento. Mas as pessoas ainda estão vivendo lá e estão usando água, então temos algum efluente sendo lançado. Então, dá para trabalhar em cima disso e utilizar essa água na produção de alimento, principalmente para o gado”, explicou o coordenador da ANA. “Você consegue dar sustentabilidade [a esse tipo de projeto], mesmo em um período de crise como essa.”
A ANA tem incentivado o reúso agrícola a partir de efluentes em municípios com menos de 50 mil habitantes, que não tem escala ou recursos para tratar o esgoto antes de despejar nos rios. A ideia é que os municípios façam o tratamento intermediário da água, por meio de lagoas, por exemplo, e a reutilize na irrigação.
“Quando você lança essa água no solo o tratamento continua. O que tem nessa água? Quase sempre o poluente é fósforo, nitrogênio, matéria orgânica que são insumos para a agricultura. Além de reduzir os custos do saneamento, essa forma de utilização possibilita uma água de qualidade para o desenvolvimento da agricultura irrigada”, disse Santos.
Ele explicou que a ANA faz chamadas públicas para municípios que queiram desenvolver esse tipo de ação e demonstrar a eficiência do sistema.
Para a Unesco, as políticas e os instrumentos de regulação são implementados em âmbito local e precisam ser adaptados a circunstâncias variadas. “É importante que seja dado apoio político, institucional e financeiro para iniciativas 'de baixo para cima', bem como para a gestão dos serviços in loco e de pequena escala – ou seja, descentralizados – de águas residuais”, diz a organização em seu relatório.
Reúso doméstico
Santos contou ainda que a ANA desenvolveu um projeto com a Saneago, companhia de saneamento de Goiás, em um prédio de apartamentos, para a instalação de um sistema de tratamento das chamadas águas cinzas, aquelas utilizadas em lavatórios, máquina de lavar e cozinha. Ele ressaltou que o tratamento individual do esgoto doméstico ainda não pode ser incentivado de imediato por causa dos riscos de contaminação.
Além do tratamento, também foi feito um sistema de captação da água de chuva e a instalação de hidrômetros individuais nos apartamentos, para estimular os moradores a reduzirem os gastos e os custos.
“Com essas três alternativas reduzimos em torno de 60% a captação de água tratada da rede. É um resultado bem interessante, mostrando que é possível também ter plantas pequenas para fazer um tratamento dessa água residual e reutilizá-la para irrigação de gramado e lavagem de piso”, disse Santos.
Em relatório, a Unesco cita que as águas residuais podem ser uma importante fonte de abastecimento em algumas cidades localizadas em regiões áridas ou onde são necessárias transferências de longa distância para atender às demandas crescentes, em particular durante períodos de seca, como ocorreu em São Paulo.
Edição: Lílian Beraldo